Redemoinho platônico

Quando eu achei que tinha conseguido me afastar um pouco de Platão, saindo um pouco da onda platônica que me tomou no final do ano passado e no início do ano, eis que sou puxado de novo de volta pra esse vórtex. Tudo isso pois resolvi escrever um artigo que tentava avaliar a posição do Platão no pensamento de Deleuze.

É claro que é possível enxergar em Platão como um aliado ambíguo de Deleuze. Isso é visível em textos como “Platão e o simulacro” (em Lógica do sentido), no pequeno texto “Platão, os gregos” (Crítica e clínica) e nas ocasionais aparições de Platão em Diferença e repetição que operam uma espécie de leitura genealógica (nietzschiana) dos limites do pensamento platônico ao identificar o princípio (político) da seleção como elemento central da teoria das ideias. Deleuze, então, reconheceria a potência do platonismo (inclusive, potência de subverter seus limites) ainda que para mostrar como no fim essa potência é submetida a uma noção de participação/seleção hierarquizante que submeteria o pensamento a uma ordem do reconhecimento.

O problema é que o pensamento Platônico é ainda mais subversivo do que Deleuze lhe dá crédito. Ainda que ocasionalmente ele comente aqui e ali diálogos tardios, como o Filebo ou o Político, sua leitura muitas vezes é incapaz de incorporar um movimento interno à própria obra platônica, isto é, a crise da teoria das ideias a partir de Parmênides. Ainda que seja quase impossível comprovar ordem dos diálogos platônicos, sem uma consideração diacrônica do seu pensamento, perde-se muito em termos de complexificação filosófica. A teoria das ideias que se apresenta (e mesmo assim, apresenta-se de fato da maneira como Deleuze descreve?) em diálogos após as críticas devastadoras em Parmênides é completamente diferente, sobretudo por incorporar no seu seio a questão da diferença sem que ela esteja subordinada a uma identidade. O que nós vemos, estranhamente, é um Platão estranhamente próximo da teoria das ideias que o próprio Deleuze desenvolve no quarto capítulo do Diferença e repetição. Talvez não seja algo a se surpreender, visto que um dos autores fundamentais desse capítulo é justamente o matemático Albert Lautman… um platonista!